Texto compartilhado pelo associado Geraldo Kleber de Oliveira Brito, de Belo Horizonte (MG)
Foi em 1981, em uma terça-feira de início de mês na saudosa Santa Maria do Suaçuí (MG). Depois de fazer um curso de um mês em Brasília e de atuar acompanhado na segunda-feira anterior, naquela manhã eu estava sozinho no caixa pela primeira vez.
Agência lotada, não havia fila única e era o cliente que escolhia um dos dez guichês para ser atendido. Tudo corria normalmente para um dia de agência cheia até aparecer um cheque maior a ser pago. Dei sinal para o supervisor, que veio a meu guichê. Assim que autorizou o pagamento, João Bosco olhou para minha autenticadora Burroughs, virou-se e foi saindo apressado.
De repente, parou o passo no ar. Deu meia volta. Pegou a fita-detalhe de minha máquina e olhou-a de pertinho.
– 431 autenticações?! O que que é isso?! – gritou, não conseguindo segurar o espanto.
Silêncio geral no saguão. Todos olharam para João Bosco. A maioria era comerciantes, aposentados e trabalhadores das lavouras da região. Ninguém, exceto os caixas, entendia o que significavam 431 autenticações e todos aguardavam uma explicação.
Ainda segurando a fita, apontou para mim e, olhando por cima dos óculos, falou alto:
– Este caixa é um papa-filas!
Alvoroço geral. Logo uns aposentados mais falantes foram explicando a situação para os outros: “as filas vão acabar”, “o Banco agora tem caixas papa-filas”.
João Bosco colocou a plaqueta de “encerrado” em meu caixa para que nenhum cliente entrasse mais em minha fila.
– Atenda só estes clientes que já estão em sua fila e feche o caixa. Você é novo na bateria e não pode correr tanto. Pode dar “diferença” – disse-me.
Eram aproximadamente 10 horas da manhã. O Banco tinha aberto às 7h e fecharia ao meio-dia. Em dias de pouco movimento, um caixa fazia em média 120 autenticações e, em dias de pico, em média 250.
Em dias muito cheios, um caixa rápido conseguia fazer mais de 300 autenticações, mas nunca ninguém conseguiu chegar à marca de 400 autenticações em um único dia. Eu tinha chegado a 431 e ainda eram 10 horas da manhã.
Na pequena cidade, a notícia correu rapidamente nas praças. Em alguns lugares, chegava totalmente deturpada: “o presidente da República proibiu filas no Brasil” ou “um ET levou as filas do Banco em seu disco voador” e outras variações tão estranhas que a gente não consegue entender como um acontecimento pode ser tão modificado quando passa de boca a ouvido.
Continuei atendendo o restante da fila, mais vermelho que peru, porque todos acompanhavam meus movimentos: os guardas, os caixas, os clientes.
Uma mulher gorda da fila ao lado comentou com a vizinha:
– Sabe? Eu até que não gostei muito desse negócio de caixa papa-filas, não. Vir ao Banco é um divertimento para mim. Enquanto se espera, a gente encontra os amigos, coloca a conversa em dia, fica sabendo das novidades, vê pessoas. Sem filas vai ser muito chato.
Um cliente entrou no Banco puxando outro pelo braço.
– Aquele lá, ó. Aquele branquinho. Aquele é o papa-filas – falou, apontando para mim.
Fechei o caixa, que não deu “diferença”, e fui me ocupar de outras tarefas.
Ao fim do expediente, todos os funcionários me rodearam.
– Como foi seu curso? – perguntavam.
– Foi alguma tática de Kung Fu que você aprendeu? – perguntou um novo funcionário que gostava de artes marciais.
– Com quantas mãos você autentica? – perguntou outro colega.
Para desapontamento geral, eu respondia que nem eu sabia como conseguia ser tão rápido. Para mim, o curso tinha sido normal. Aprendi grafoscopia e demais matérias que todos aprendem.
– Alguma coisa diferente teve nesse curso seu. Pode acreditar – disse João Bosco.
No dia seguinte, estávamos nos preparando para abrir a agência. Denise Peçanha tinha pedido minha fita-detalhe ao tesoureiro “para dar uma olhadinha”. Tinha perdido o sono na noite anterior por conta disso. Em mais de dez anos de Banco, nunca tinha visto nada igual.
Coloquei meu baú no guichê e estava separando as notas na gaveta quando Denise começou a rir.
– Descobri o segredo – disse em meio a gargalhadas.
A agência toda correu para perto dela, que ria sem parar.
– Descobri o segredo – era a única coisa que conseguia falar. Entre risos e tosses, levantava-se e mostrava a fita-detalhe. Tentava contar, mas não conseguia. Teve crise de risos.
Todos estávamos ansiosos para saber.
– O contador... o contador... – falava, tossia, ria, tossia, falava: – O contador...
Depois de muito tempo, conseguiu dizer:
– O contador da máquina não foi zerado.
João Bosco pegou a fita e conferiu. Sim, ali estava o segredo: o contador da máquina que peguei naquele dia não tinha sido zerado e minha primeira autenticação começou em 313. Era só fazer as contas: 431 autenticações menos 312 que já estavam na máquina resultava em 119.
– Papa-filas que nada! – falou João Bosco, batendo em minhas costas amigavelmente: – Você é um caixa normal!
Agora não era só a Denise que ria. A risada era geral.
Para comemorar minha nomeação no caixa e reparar o mal-entendido que causei, “fui condenado” a pagar a carne da festa daquela noite na AABB para os funcionários que se intitularam os papa-churrasco.
Geraldo Kleber de Oliveira Brito
Belo Horizonte - MG
Tomou posse na Agência de Santa Maria do Suaçuí(MG) em 17/06/1980
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